quinta-feira, 26 de julho de 2012

Da Barra da Tijuca ao Piranhão*, a trajetória do mercador de direitos.



Paes, o homem que implora até hoje por perdão pelo fato de um dia ter dito a verdade. Ao mesmo tempo, ele exige que o povo carioca o agradeça por lotear a cidade, quase quadruplicar a dívida do município e tirar dinheiro da educação para pagar contas de água e esgoto de escolas de samba.
Quem pode entender esse moço???



A crença inabalável, quase fanática, no seu poder de parecer convincente diante do público é realmente algo que não se pode negar em relação ao atual prefeito da Cidade Maravilhosa(para o capital imobiliário). Certas pessoas têm tanta confiança em seu próprio taco que às vezes isso pode ser confundido com falta de senso do ridículo. Essa confiança de Paes é a mesma que vemos em figuras como Malu Magalhães posando de cantora sensual, ou no Marcos Mion, que insiste em achar que é engraçado ou na Maria Rita, que realmente crê que alguém consegue acreditar que ela é sambista ou que sabe cantar samba (mas como isso é possível meu Deus do céu?). Isso se chama autoestima minha gente. Confiança em si. Não, isso não é típico de uma “pessoa sem noção”. O caso é mais sério. Ela não está nem aí mesmo para a realidade. Temos que tirar o chapéu para Paes. Que talento, que descortino. Não estamos falando de qualquer um. O homem é demais. Sua performance no personagem do homem de bem é tocante. É como ver Fiuk mostrando que como péssimo ator, ele consegue ser um cantor pior ainda.

Vejamos agora o caso de suas amizades políticas. De 2005 em diante ele diria para quem quisesse ouvir e acreditar nele – o que não é fácil... – que o então presidente Luiz Inácio, o Lula, sabia de tudo que se passava ao lado do seu gabinete, quando companheiros de ParTido tratavam de dar sustança ao Caixa 2 então em formação. Ou seja, ele com todas as biritas que pudesse ter no meio das ideias, sabia desde o início de todo o esquema consagrado pelo nome “Mensalão”. E Dudú dizia isso com uma ênfase como “nunca antes na Estória”. Por mais que tapasse seus olhos com as duas mãos, ele – o Messias de Garanhuns - via pela frestinha do dedo que lhe faltava, o esquema que alimentava as cuecas alheias e carros-fortes pelo país afora. O presidente petista era cúmplice, quase um comparsa, segundo o então deputado federal, que participava da CPI.  

Mas tudo mudou. Diante do rompimento com Cesar Maia, seu antigo guia espiritual e de sigla partidária, o “prefeitinho da Barra” foi buscar abrigo no PMDB de Cabral. O arranjo, verdadeira dobradinha, já havia começado no final do primeiro turno da eleição para governador de 2006. Eleição que alçou Cabral ao posto de líder máximo da máquina fluminense. Ganhando inclusive de Paes. Mas este via longe. A parceria prometia. Ainda mais pelo fato do então governador iniciar uma luta encarniçada contra um antigo aliado, o nosso Little Boy da terra do chuvisco, o Anthony Matheus, o cel. Bolinha. De antigo aliado, passou a ser a vítima-mor da nau cabralina.

O cenário era quase perfeito. Aliado do comandante da máquina. O qual tratava de marginalizar uma liderança de peso – literalmente - do interior fluminense. Assim como sua esposa. Quando do discurso de porre, digo, de posse, Cabral nem havia ainda passado o primeiro lenço na sua suada testa, para bradar: “terei que fazer milagres para pagar os funcionários em dia”; “as contas do governo estão um caos”; “essa é a herança que me deixaram”. Fazendo questão de utilizar a terceira pessoa do plural ao se referir ao governo rosáceo.

E o futuro se tornava mais convidativo para Paes quando via seu antigo aliado e padrinho político cada vez mais em baixa no município do Rio. Metendo os pés pelas mãos. Que destruía o último naco de credibilidade que lhe restava, batendo pé para construir a Cidade da Música. Um desastre. Um verdadeiro cemitério. Indigno até para grupo de pagode paulista. De bilhões. Tristonho, Cesar chegou a ficar com o patrimônio zerado. Na sua última declaração ao TSE, simplesmente registrou “não ter bens”. Doou tudo para sua família. Tal como Severino Cavalcanti, pode bradar: “Fiquei pobre com a política!”. Acredite se quiser, completaria Jack Palance....

Diante de tal quadro o que mais Dudú poderia querer? De uma hora para outra o futuro prefeito carioca – pois ele só pensava na-qui-lo – se imaginava ao lado de Serginho, num daqueles banquetes tão ao gosto do governador, em pleno Ritz de Paris, degustando o fechamento de uma aliança que prometia. Ou como se estivesse na mansão dele em Mangaratiba, degustando lagosta e caviar, regado a Romanée Conti. Mas era tudo muito bom pra ser verdade. Causava até estranheza pensar que tudo era tão facin facin assim. É, pois havia uma indigesta espinha no banquete. Ou melhor, havia, com o perdão do trocadilho, um molusco de barba no meio desse fandango. Era o Lula, ele, o grande aliado de Serginho. Braço-direito do presidente em terras fluminenses. Estado cada dia mais estratégico: royalties, Comperj, Olimpíadas, CSA etc. Dudú sabia que para continuar contando com o apoio de Cabral teria que resolver essa pendência com Lula. Entenda-se: tratar de pedir perdão ao homem que um dia ele acusou de ser cúmplice de mensaleiro. Ele sabia que Cabral nem cogitava a ideia de se desfazer do apoio do petista. Impossível. Era bem mais fácil imaginar Cabral desistindo de assistir a um concerto na Place de La Concorde (à Paris) para poder ver uma apresentação do Luan Santana, o Elvis Presley do Pantanal, no Mauá de São Gonçalo. Com direito ao sinalzinho do coração com as duas mãos em homenagem ao estrábico menestrel teen.

O que fazer? Já perguntava Lenin. Nada que uma bela carta de desculpas não desse jeito. E foi isso que fez o novo amigo de infância de Cabral. O perdão presidencial foi dado – muito a contragosto. Mas perdoar e deixar o orgulho de lado com base em interesses nunca foi um problema para o ex-sindicalista. E Dudú se disse satisfeito com a “justificativa” presidencial: não era mensalão e sim Caixa 2...

O caminho estava mais do que pavimentado (pela Delta, é claro) para a mais nova,  dinâmica e bat dupla do pedaço. Ninguém parecia capaz de segurá-los. A escolha do Rio como sede das Olimpíadas foi a cereja do bolo desse casamento. Agora era botar a mão na massa. Um Rio de obras a ser saboreado até 2016. O Rio só não sediará as Olimpíadas de inverno. “Se o negócio é neve, a gente manda comprar”. Deve ter delirado o candidato dos empreiteiros. O céu parece ser o limite para essa dupla.



É claro, não esqueçamos que mesmo assim Dudú cortou um dobrado para vencer por apenas 50 mil votos o Gabeira. Mas venceu. O que muito se deveu ao belo nível do debate travado, que se concentrou na grande questão se “Gabeira dá ou não dá?” e a celeuma criada entre este e uma liderança da Zona Oeste. Paes ainda fez a gentileza de – em mais uma de suas performances antológicas – se declarar suburbano, jurar que adora samba e a feijoada da Tia Surica da Portela.

E embriagado por tantas conquistas, o nosso eterno “prefeitinho” brindou a população da cidade e o funcionalismo com uma série de medidas. Uma melhor que a outra. Em favor da privatização do serviço público. Em favor do controle desmedido e sem freios do capital imobiliário sobre o espaço da cidade. Em benefício da festança das empreiteiras. Em prol da mercantilização dos direitos, como se a cidadania pudesse ser tratada do mesmo modo que uma peça do vestuário: só tem quem pode comprar.

As conquistas de sua administração (de deixar qualquer ultraneoliberal que nem pinto no lixo) pesam sobre os ombros do povo carioca: desvio de dinheiro da educação para pagar contas de água e esgoto de escolas de samba; despejo de comunidades para a construção de obras olímpicas; implantação de chips em jalecos de médicos da rede municipal; uma licitação de ônibus colocada sob suspeita pelo próprio Tribunal de Contas; a explosão da dívida do município (cerca de 400%); obras absurdas, como a demolição do velódromo, cheirando à tinta ainda... para a construção de... outro, igualzinho.

Não satisfeito, ele reivindica um novo mandato. E as chances dessa ameaça se concretizar são grandes. Que candidato será capaz de mobilizar e engajar a população numa luta de resistência contra esse projeto ético-político, que busca explorar até o talo as energias vitais da sociedade e da própria cidade em benefício exclusivo do grande capital? Quem mais, se não o povo, poderá detê-lo?




Leonardo Soares dos Santos, professor da UFF/Campos e prisioneiro de Paz.

* Simpático epíteto conferido à sede da Prefeitura, por se localizar próxima a afamada Vila Mimosa.

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