terça-feira, 24 de julho de 2012

Habermas e eu - Notas sobre o lançamento de “Teoria do Agir Comunicativo” de Jürgen Habermas


Habermas e eu - Notas sobre o lançamento de “Teoria do Agir Comunicativo” de Jürgen Habermas 
George Gomes Coutinho

Minha relação com a obra de Jürgen Habermas se deu por caminhos tortos. Talvez eu não seja o único e não poucas vezes o contato entre pesquisadores e autores substantivos decorre da mesma maneira.  Por acidente, por incentivo reverso, por contingências inúmeras que demarcam a trajetória humana, etc.. Em suma, muitas vezes nunca pela linearidade cartesiana que ainda é uma quimera na constituição do self e da própria Universidade.

Me recordo sempre da autoanálise de meu quase xará Georg Lukács sobre sua relação com a obra de Marx e a considero ilustrativa para as próximas linhas. Lukács, que manteve contato com homens do quilate de Weber, Simmel e Ernest Bloch, transitou elegantemente entre a obra de Kant e de Hegel. Pensou de forma apaixonada uma sociologia da arte e da literatura até chegar a um empreendimento de indisfarçável tônus político. Mas, só em dado momento este chegou a Marx. Mas, como já disse, não sem antes passar por boa parte das correntes filosóficas alemãs. O adjetivo “torto” foi justamente apresentado pelo filósofo húngaro para explicar esse “caminho” para Marx. Penso ser adequado aqui.

Retomando Habermas, me recordo em uma palestra, apresentada por um dos baluartes da sociologia do trabalho brasileira, onde um julgamento foi expresso na seguinte frase: “Habermas é um idiota”. Minha reação foi de profundo desconforto. Afinal, emitir um julgamento deste teor ante uma plateia de neófitos em ciências sociais, era um gesto de grande coragem? Ou da mais pura irresponsabilidade, dado que a maioria sequer tinha lido uma orelha de livro do referido autor?

Chocado e motivado pelo incentivo reverso decidi checar o julgamento, averiguar se este era justo ou não. Não se sustentou em poucas leituras atentas. Em verdade, algo que se tornou um mote em meu oficio, sempre pergunto aos meus colegas e alunos se alguém que dedica sua vida ao estudo sistemático de qualquer tópico das veredas humanas poderia ser considerado um idiota. Não me parece algo sustentável. Decerto menos ainda quando falamos de Jürgen Habermas.

A obra de Habermas, este que iniciou suas pesquisas analisando o movimento estudantil alemão e foi assistente de ninguém menos que Theodor W. Adorno, decidiu repensar as ciladas e possibilidades da emancipação humana durante e após as barbáries e desilusões do breve século XX. Por este intento Habermas já mereceria destaque. O “mais filósofo dos sociólogos ou o mais sociólogo dos filósofos”, como diria Frederic Vandenberghe, alicerçou uma teoria social sofisticada, hermética , complexa e calcada nos arredores dos dilemas históricos de nossa época, apresentando respostas desmesuradamente humanistas. Nestes termos, a “Teoria do agir comunicativo”, que nos é apresentada pela Martins Fontes em uma edição nacional luxuosa, presta um grande serviço não só para a divulgação desta obra prima. Arrisco apostar que possamos ter um fôlego renovado ao pensarmos no interesse acadêmico sobre Habermas.

“Teoria do agir comunicativo” (doravante TAC), até então uma obra muito comentada e pouquíssimo lida, ao tornar-se acessível nos indica a possibilidade de um novo começo. No “mundo pós teórico”, como diria o crítico literário Terry Eagleton, onde a superficialidade e um empirismo vulgar corroem a inteligência acadêmica, termos a chegada de um texto teoricamente ousado é um bálsamo. Repensar a emancipação humana a partir da comunicação, pautada em critérios de verdade e respeito, apresentar o caráter libertário da discussão interessada é um arsenal inspirador para o nosso momento enfadonho. 

Prosseguindo, sempre me causou espécie essa busca obstinada pela comunicação enquanto arma. Ainda mais vinda de um pensador que apresenta claros problemas de fala. Habermas nasceu sofrendo o estigma do lábio leporino e em suas palestras sua voz fanha é algo impossível de não ser notado. Portanto, que possamos encarar a TAC também por este heroico caminho existencial da superação humana. Nosso autor certamente conseguiu. 

Por fim, que as próximas e antigas gerações possam ter o encontro com esta pedra fundamental da teoria social alemã contemporânea por caminhos menos tortos que o meu. E sim, que os julgamentos sejam pautados pela responsabilidade e equilíbrio desejáveis em qualquer ideia de justiça. Mas, me parece que qualquer outro adjetivo pode ser utilizado. Menos o de que Habermas seja um idiota.

2 comentários:

  1. Meu encontro com a Teoria de Habermas:
    http://ronaldo79171.blogspot.com.br/2012/01/um-gosto-pela-literatura.html

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  2. Prezado Ronaldo,

    Grato pela vistia e pela sugestão de leitura!

    Abçs!

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