Habermas e eu - Notas
sobre o lançamento de “Teoria do Agir Comunicativo” de Jürgen Habermas
George Gomes
Coutinho
Minha relação
com a obra de Jürgen Habermas se deu por caminhos tortos. Talvez eu não seja o
único e não poucas vezes o contato entre pesquisadores e autores substantivos
decorre da mesma maneira. Por acidente,
por incentivo reverso, por contingências inúmeras que demarcam a trajetória
humana, etc.. Em suma, muitas vezes nunca pela linearidade cartesiana que ainda
é uma quimera na constituição do self e da própria Universidade.
Me recordo
sempre da autoanálise de meu quase xará Georg Lukács sobre sua relação com a
obra de Marx e a considero ilustrativa para as próximas linhas. Lukács, que
manteve contato com homens do quilate de Weber, Simmel e Ernest Bloch,
transitou elegantemente entre a obra de Kant e de Hegel. Pensou de forma
apaixonada uma sociologia da arte e da literatura até chegar a um
empreendimento de indisfarçável tônus político. Mas, só em dado momento este
chegou a Marx. Mas, como já disse, não sem antes passar por boa parte das
correntes filosóficas alemãs. O adjetivo “torto” foi justamente apresentado
pelo filósofo húngaro para explicar esse “caminho” para Marx. Penso ser
adequado aqui.
Retomando
Habermas, me recordo em uma palestra, apresentada por um dos baluartes da
sociologia do trabalho brasileira, onde um julgamento foi expresso na seguinte
frase: “Habermas é um idiota”. Minha reação foi de profundo desconforto.
Afinal, emitir um julgamento deste teor ante uma plateia de neófitos em
ciências sociais, era um gesto de grande coragem? Ou da mais pura
irresponsabilidade, dado que a maioria sequer tinha lido uma orelha de livro do
referido autor?
Chocado e motivado
pelo incentivo reverso decidi checar o julgamento, averiguar se este era justo
ou não. Não se sustentou em poucas leituras atentas. Em verdade, algo que se
tornou um mote em meu oficio, sempre pergunto aos meus colegas e alunos se
alguém que dedica sua vida ao estudo sistemático de qualquer tópico das veredas
humanas poderia ser considerado um idiota. Não me parece algo sustentável.
Decerto menos ainda quando falamos de Jürgen Habermas.
A obra de
Habermas, este que iniciou suas pesquisas analisando o movimento estudantil
alemão e foi assistente de ninguém menos que Theodor W. Adorno, decidiu
repensar as ciladas e possibilidades da emancipação humana durante e após as
barbáries e desilusões do breve século XX. Por este intento Habermas já
mereceria destaque. O “mais filósofo dos sociólogos ou o mais sociólogo dos
filósofos”, como diria Frederic Vandenberghe, alicerçou uma teoria social
sofisticada, hermética , complexa e calcada nos arredores dos dilemas
históricos de nossa época, apresentando respostas desmesuradamente humanistas.
Nestes termos, a “Teoria do agir comunicativo”, que nos é apresentada pela
Martins Fontes em uma edição nacional luxuosa, presta um grande serviço não só
para a divulgação desta obra prima. Arrisco apostar que possamos ter um fôlego
renovado ao pensarmos no interesse acadêmico sobre Habermas.
“Teoria do agir
comunicativo” (doravante TAC), até então uma obra muito comentada e pouquíssimo
lida, ao tornar-se acessível nos indica a possibilidade de um novo começo. No “mundo
pós teórico”, como diria o crítico literário Terry Eagleton, onde a
superficialidade e um empirismo vulgar corroem a inteligência acadêmica, termos
a chegada de um texto teoricamente ousado é um bálsamo. Repensar a emancipação
humana a partir da comunicação, pautada em critérios de verdade e respeito,
apresentar o caráter libertário da discussão interessada é um arsenal
inspirador para o nosso momento enfadonho.
Prosseguindo, sempre
me causou espécie essa busca obstinada pela comunicação enquanto arma. Ainda
mais vinda de um pensador que apresenta claros problemas de fala. Habermas
nasceu sofrendo o estigma do lábio leporino e em suas palestras sua voz fanha é
algo impossível de não ser notado. Portanto, que possamos encarar a TAC também
por este heroico caminho existencial da superação humana. Nosso autor
certamente conseguiu.
Por fim, que as
próximas e antigas gerações possam ter o encontro com esta pedra fundamental da
teoria social alemã contemporânea por caminhos menos tortos que o meu. E sim,
que os julgamentos sejam pautados pela responsabilidade e equilíbrio desejáveis
em qualquer ideia de justiça. Mas, me parece que qualquer outro adjetivo pode
ser utilizado. Menos o de que Habermas seja um idiota.
Meu encontro com a Teoria de Habermas:
ResponderExcluirhttp://ronaldo79171.blogspot.com.br/2012/01/um-gosto-pela-literatura.html
Prezado Ronaldo,
ResponderExcluirGrato pela vistia e pela sugestão de leitura!
Abçs!