domingo, 8 de julho de 2012

Triste Futebol nos Tristes Trópicos – parte 2 – Uma análise de conjuntura da mais bretã das paixões brasileiras


Triste Futebol nos Tristes Trópicos – parte 2 – Uma análise de conjuntura da mais bretã das paixões brasileiras

LEONARDO SOARES DOS SANTOS

Historiador, professor do Pólo Universitário da UFF em Campos e flamenguista.

(continuação – para ler a parte I clique aqui)


Mas o fato do futebol brasileiro ter esse senhor como cabeça não é nada se levarmos em consideração outras dimensões da enorme crise por qual passa o esporte bretão em terras brasílicas. Ela é também técnica. Nossos técnicos são uns dos piores dessa nossa aldeia global. Que time equatoriano, peruano ou boliviano contrata um treinador brasileiro? Nenhum. Só vemos isso na Birmânia, Índia e Camboja. E mesmo assim tais coaches fazem mais as vezes de pregadores evangélicos do que instrutores técnicos. Entre um “perseverai e orai” e “vigiai irmão”, os jogadores certamente devem ouvir dezenas de instruções instrutivas do tipo: “vamo lá”, “tem que diblar(sic)” e “tocô se apresentô”. A sorte desses coitados – nos dois casos - é que não devem entender bulhufas de português...

Nem falo de times europeus.... Nossos técnicos têm grande trabalho em conseguir permissão para períodos de estágios nos grandes times do “velho continente”. O campeonato brasileiro tem como craks jogadores veteranos, com mais de 34 anos. Juninho Pernambucano, que não conseguia acompanhar o ritmo do esforçado futebol francês faz milagres dignos de Padre Cícero nas pugnas locais. Todas as grandes contratações são de jogadores sem mercado algum na Europa. Assim foi com Ronaldinho Gaúcho, que fez o favor de jogar algumas partidas pelo Flamengo durante os 14 meses que passou nas noites do Rio. O Botafogo acaba de anunciar a contratação do Seedorf, decano do meio-campo da seleção holandesa. Deco, titular absoluto do Fluminense, não servia pra ser gandulinha no Almeria ou no Famalicão, nem no Apoel (do Chipre!), mas aqui dá passes, dribles e faz jogadas que certamente lhe fazem resgatar a auto-estima, pensar que aqui - mas somente aqui – ele é o tal, é o Fred Astaire dos gramados...

Com exceção honrosa do Corinthians, os jogadores – podem reparar - ainda se posicionam de acordo com o movimento da bola. O jogador não se coloca em função dos outros jogadores, em função do desenho tático do seu time (algo básico no futebol europeu e argentino, e até chileno). Ou seja, o jogador brasileiro - a não ser os afortunados que vão para a Europa – ainda atuam sob uma perspectiva puramente empírica: marcam a bola, vão aonde a bola está.

Sintomática foi a surra, anticristã e com requintes de crueldade, do Barcelona sobre o Santos no final de 2011. Em 20 minutos já estava 2 x 0 e isso porque Fábregas teve a coragem de perder gols que nem Oscar Niemeyer perderia. Foi visível a freada dos catalães no segundo tempo. Com pena de fazer um mal maior às carreiras dos “meninos da Vila Belmiro”. Mesmo assim alguns jogadores, além do nome do clube, sofreram. Danilo, por exemplo, saiu depois de dar um “jeito” nas costas, com o vaivém de passes de Messi e Cia. Isso não é brincadeira minha gente: um jogador de um time de ponta do país saiu descadeirado de campo por conta do troca-troca de passes do adversário. Coisa de comédia. Vaudeville total e absoluta. Isso sem contar os sujeitos totalmente perdidos, com a mesma cara daqueles figurantes depois que tomavam um tabefe de mão aberta do Bud Spencer, como o Edu Dracena.

E como se não bastasse ainda há uma grave crise financeira. Que não é exclusiva de nossos clubes, mas é mais preocupante, tendo-se em vista que são clubes de estrutura arcaica, muitos administrados sob um véu patrimonialista onde meia dúzia de famílias – no máximo - controlam desde a chave do portão até – o que é muito mais importante – as senhas das contas correntes da entidade. Sem nenhuma fiscalização, sem nenhum controle. Enquanto isso a cartolada cada vez mais rica. É imenso o crescimento do patrimônio de quem se dedica ao sacrifício de presidir um clube de futebol no país. Caso único no mundo em que uma função não-remunerada proporciona ao seu ocupante uma ascensão do patrimônio que pode chegar aos 1.000%! Lapidar, nesse sentido, a frase de um notório dirigente que afirmava a plenos pulmões na imprensa esportiva (e policial): “O Vasco é meu!”. O mesmo dirigente que, por sinal, teve a mala contendo todo o dinheiro da bilheteria de um jogo em São Januário roubada, quando se dirigia para sua.....casa.....

Não só os cartolas dos clubes, mas as próprias federações progridem. Ricas. Nababescas. Erguendo palácios suntuosos em meio ao pântano no qual sucumbem nossos times. Vide a nova sede da CBF no Recreio dos Bandeirantes, orçada em 7 milhões de reais. As entidades federativas, segundo um estudioso do tema, funcionam hoje como grandes gigolôs do futebol brasileiro: constituem seu dinheiro e patrimônio a custa do suor dos clubes, cada dia mais pobres. Situação em tudo oposto ao que ocorre na Alemanha, onde por lei, as federações são obrigadas a constituir um fundo para financiamento dos clubes. O caso da Alemanha é pertinente para uma outra comparação. Ali há um nítido processo de inclusão cada vez maior do povão nas arenas esportivas. Os ingressos são vendidos a preços populares, vários estádios reconstruíram a chamada geral. Temos o exemplo do Borússia Dortmund, com média de 84 mil torcedores em seu estádio, que é a lotação máxima. Aliás, são pouquíssimos os clubes alemães em crise, endividados, na mão de TVs etc.

Aqui nessas plagas temos o oposto. A geral foi varrida. Cada vez se criam artifícios para dificultar o acesso dos trabalhadores mais humildes às arquibancadas dos estádios. Artifícios que vão desde o valor altíssimo do ingresso até a marcação dos horários dos jogos, 22:00 durante a semana, 21:00 aos sábados. E nisso a principal protagonista – ah, adivinhem - é a Globo. Com os clubes na mão – vivendo de seus adiantamentos de direitos de transmissão – ela decide os jogos a transmitir, quando, onde. Se pudesse a Globo passaria jogo no horário do Corujão. Vários jogos são adiados pela própria TV, numa afronta ao Estatuto do Torcedor. A Globo chegou ao ponto de impedir que o campeão brasileiro desfile com a taça junto à torcida. Ritual básico e sagrado mesmo em países de nenhuma tradição futebolística como Afeganistão e Taiti. Com a Globo não, a taça do Campeonato só pode ser erguida numa festa (des)organizada por ela num teatro da burguesia da zona sul (Rio) ou da avenida Paulista (Sum Paulo). Nada de estranho para uma emissora que defende uma Democracia sem Povo. Futebol, festa popular, patrimônio da classe trabalhadora, é bom demais. Melhor se puder ser transmitido sem ele no estádio. E por determinação conjunta da CBF e da Globo, a Seleção brasileira só joga fora do país. A Seleção também foi sequestrada. Nunca a população foi tão indiferente a ela. No fundo, os brasileiros sabem que ela agora pertence às Organizações Globo. Dia de convocação da Seleção que antes parava o país, perde hoje até para a reprise do Chaves no SBT.

E a Copa de 2014 chegando. Mas cadê a alma, cadê a história desse futebol? Muitos outros países também estão em crise. Olha o caso da Espanha, não só os clubes estão endividados, o país está todo ele na pendura. Mas certamente o seu treinador e jogadores jogam para a Seleção, e não se comportam como funcionários de uma TV determinada. E o futebol, com todos os problemas, dívidas, celebridades ocas, limitações de ordem técnica etc., ainda é do povo. Mas, e aqui? Como mudar se o que há de mais retrógrado e reacionário se encontra no comando da sua maior entidade? Ou seja, falta tudo. Até pouca vergonha.....

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