quinta-feira, 23 de maio de 2013



Mas o que incomoda tanto os intérpretes brasileiros alojados no covil de nome “grande mídia” quando o assunto é Venezuela? Mais do que isso, quando o papo é a já longeva hegemonia bolivariana no poder presidencial, por que tanta espuma no canto da bocarra?

Eles se contorcem de raiva, dão chiliques mil, fazem beicinho, batem pezinho, dão tremiliques neurastênicos quando alguém ousa sugerir que a Venezuela goza de uma democracia efetiva, ampla, de fato e de direito. Claro, com problemas. Mas que democracia no mundo não as tem?

Não! Sugerir tamanha insanidade ou é prova de mau-caratismo, de desonestidade intelectual, de fanatismo tresloucado por uma ditadura à la Isla del Comandante, ou  mesmo um indício da ausência de qualquer valor moral ou ético. Ou seja, tanto numa ou noutra hipótese estariamos diante de um sujeito sem a menor empatia, um psicopata ideológico, que demonstra total desprezo pela vida humana. Quase que um celerado surgido de algum cenário esguichado de groselha de Criminal Minds.

De início argumentava-se que era uma ditadura, pois controlada por um caudillo com mãos de ferro e temperado com inumeros pasitos de mambo. A República Bolivariana era retratada como uma versão pós-moderna e caribeña da natimorta República de Sucupira, de Dias Gomes. Para ilustrar os efeitos de tal estratégia de poder e domínio, apresentava-se um sem número de venezuelanos pobres, destentados, sorridentes e negros – fato muito importante para as classes médias brasileiras, que o diga uma revista que explora através de suas capas um certo imaginário de fazer corar o mais intrépido capitão-do-mato (“Cuidado! Ela [uma negra] pode decidir a eleição!”). Quem não se lembra?



Um argumento complementar era a de que Chávez e seus asseclas conseguiram asfixiar não só a oposição parlamentar, mas praticamente aniquilaram a imprensa – crítica e higiênica – do país. Vendo programas em algumas TVs e nos editoriais dos pasquins conservadores não há como duvidar de que a oposição, legislativa ou midiática, foi esmagada naquele país. Vive-se nele um regime de medo, onde qualquer crítica, qualquer contestação, toda e qualquer discordância é peremptoriamente silenciada, nem que seja à bala.

Uma rápida passada por alguns dos principais veículos de comunicação da Venezuela mostram o quanto isso é mentira. Puro papo terrorista de gângsters da palavra escrita e falada.

“Ausencia de diálogo y eliminación del parlamentarismo caracterizan al fascismo”, estampa o El Nacional. No mesmo pasquim lemos o articulista Alberto Tyszka afirmar que “es obvio que el chavismo no sólo cambió de líder, sino también cambió de asesores. La bandada de pájaros que rodea ahora a Maduro no conoce bien el país.” E quase chega a declarar que o presidente não passa de um charlatão. A também articulista Milagros Socorro insinua que se trata de cambada de gângsters: “La guinda de este panorama la ha puesto la hija del fallecido Chávez, quien hizo pública la patética escena que protagonizó en un restaurante del este de Caracas, donde fue caceroleada. Al conocerse en qué costosos locales pasa la muchacha sus holganzas, parte del país se ha preguntado: ¿cómo paga María Gabriela Chávez las cuentas de estos restaurantes? que, sin duda, están muy por encima de las posibilidades de la clase profesional venezolana. Como diría el tártaro de la salsa, ¿cómo lo hacen? ¿Cuál es el negocio?” E la Globovisión, principal veículo da oposição, repercute as declarações do deputado anti-chavista Stalin(êpa!) González, que assegurou: "Quienes están conspirando contra el Estado venezolano, están en las filas del Gobierno".

Mas onde se localizam esses meios de imprensa? De onde estão veiculando manchetes e editoriais acusando o governo chavista de gângster, mafioso, fascista, stalinista, hitlerista, canalha, covarde, nojento, proxeneta e fedorento? Ora, certamente de um lugar seguro. Mas onde: Tibet, Azerbaijão, Turcumenistão, Conchinchina, Bambuluá, Marte? Não senhores: ali mesmo na Venezuela, em Caracas, eles atacam e acusam nas barbas do governo totalitário, que sufoca, massacra, cospe, esmurra e extermina a oposição e a liberdade de imprensa. Façam-me o favor. Que ditadura é essa? Se isso é ditadura, eu quero uma pra poder viver.

Na verdade nossa intelligentsia se escandalizava com a possibilidade da gentalha chegar tão perto do poder. Portanto, a questão dessa direita ilustrada não é apenas ideológica (presente num certo temor de um socialismo do século XXI). A questão é de preconceito de raça mesmo. Ou seja, o negócio é muito mais vulgar e cafajeste do que se imagina. Quem acha que essa gente é inspirada pelos escritos de Hayek, Friedman, Rostow ou mesmo de um Roberto “Bob Field” Campos (vá lá...) está redondamente enganado. O guia espiritual deles é algo próximo do Justo Veríssimo mesmo! Ela é vulgar e boçal, sem sombra de dúvida.

No fundo, a velha, rançosa e asquerosa concepção de que favelado (e negro ainda por cima) não pode fazer política. A política com P maiúsculo, a política sancionada pelos receituários dos grandes cientistas sociais da Harvard e Oxford. Gente inculta, pobre, selvagem e promíscua. Gentinha, na verdade. Como não nos remetermos às carcumidas concepções e teses do pensamento racial brasileiro, da pena de um Nina Rodrigues, Silvio Romero, Euclides da Cunha e Oliveira Vianna?


No fundo o que se deplora não é apenas um projeto de Nação que ousa ser popular (por querer se fundamentar no apoio da gente das Villas e Fábricas). É preciso destacar que a revolta e o ataque histérico da direita envergonhada tupiniquim tem uma dupla motivação.

Em primeiro lugar, ele revela a sua frustração com o fato de em pleno III milênio ainda termos que conviver com manifestações de uma democracia autêntica, onde os anseios populares estão acima – ainda que num processo extremamente tenso e incerto – dos rituais e salamaleques estéreis de uma democracia formal, sem vida, gelada e impessoal. De perfeita fachada liberal e que por isso mesmo só funciona para uma requintada casta. Tão típica ao sul do Orenoco.... No fundo, a direita se mostra – mais uma vez – radicalmente contra a democracia popular.

Em segundo, ela se exaspera por ter que suportar tantos negros mostrando a canjica, não apenas ao postar o seu voto na urna, mas pelo fato de minimamente lutar e se organizar para participar efetivamente dele. Reação bastante compreensível num país que nunca elegeu um negro para presidente. E que em mais de 200 anos de “democracia” elegeu tantos governadores, prefeitos de capitais, senadores e até presidentes de clubes de futebol "de cor"(sic), que se reunidos talvez dessem para encher um fusquinha.

Aliás, há como discordar do ministro Joaquim Barbosa quando ele afirma que a imprensa é de direita? Deplorando inclusive o fato dela ter pouquíssimos negros em suas redações. Ele falou alguma mentira? Além de ideologia (e muito dinheiro no bolso - via BNDES, bancos, multinacionais e Cachoeiras da vida), essa imprensa tem cor? 

Que país é esse?????

Leonardo Soares é historiador e bolivariano-dos-últimos-dias.

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