Não
tendo mais como atacar o governo democrático venezuelano, parte da
imprensa brasileira começa a descambar para o perigoso terreno
da boçalidade....
Mas o que incomoda tanto os intérpretes
brasileiros alojados no covil de nome “grande mídia” quando o assunto é
Venezuela? Mais do que isso, quando o papo é a já longeva hegemonia bolivariana
no poder presidencial, por que tanta espuma no canto da bocarra?
Eles se contorcem de raiva, dão
chiliques mil, fazem beicinho, batem pezinho, dão tremiliques neurastênicos
quando alguém ousa sugerir que a Venezuela goza de uma democracia efetiva,
ampla, de fato e de direito. Claro, com problemas. Mas que democracia no mundo
não as tem?
Não! Sugerir tamanha insanidade ou é
prova de mau-caratismo, de desonestidade intelectual, de fanatismo tresloucado
por uma ditadura à la Isla del Comandante,
ou mesmo um indício da ausência de
qualquer valor moral ou ético. Ou seja, tanto numa ou noutra hipótese estariamos
diante de um sujeito sem a menor empatia, um psicopata ideológico, que
demonstra total desprezo pela vida humana. Quase que um celerado surgido de
algum cenário esguichado de groselha de Criminal
Minds.
De início argumentava-se que era uma
ditadura, pois controlada por um caudillo com mãos de ferro e temperado com
inumeros pasitos de mambo. A
República Bolivariana era retratada como uma versão pós-moderna e caribeña da
natimorta República de Sucupira, de Dias Gomes. Para ilustrar os efeitos de tal
estratégia de poder e domínio, apresentava-se um sem número de venezuelanos
pobres, destentados, sorridentes e negros – fato muito importante para as
classes médias brasileiras, que o diga uma revista que explora através de suas
capas um certo imaginário de fazer corar o mais intrépido capitão-do-mato
(“Cuidado! Ela [uma negra] pode decidir a eleição!”). Quem não se lembra?
Um argumento complementar era a de que
Chávez e seus asseclas conseguiram asfixiar não só a oposição parlamentar, mas
praticamente aniquilaram a imprensa – crítica e higiênica – do país. Vendo
programas em algumas TVs e nos editoriais dos pasquins conservadores não há como
duvidar de que a oposição, legislativa ou midiática, foi esmagada naquele país.
Vive-se nele um regime de medo, onde qualquer crítica, qualquer contestação,
toda e qualquer discordância é peremptoriamente silenciada, nem que seja à
bala.
Uma rápida passada por alguns dos
principais veículos de comunicação da Venezuela mostram o quanto isso é
mentira. Puro papo terrorista de gângsters da palavra escrita e falada.
“Ausencia de diálogo y eliminación del
parlamentarismo caracterizan al fascismo”, estampa o El Nacional. No mesmo pasquim lemos o articulista Alberto Tyszka afirmar
que “es obvio que el chavismo no sólo cambió de líder, sino también cambió de
asesores. La bandada de pájaros que rodea ahora a Maduro no conoce bien el
país.” E quase chega a declarar que o presidente não passa de um charlatão. A
também articulista Milagros Socorro insinua que se trata de cambada de
gângsters: “La guinda de este panorama la ha puesto la hija del fallecido
Chávez, quien hizo pública la patética escena que protagonizó en un restaurante
del este de Caracas, donde fue caceroleada. Al conocerse en qué costosos
locales pasa la muchacha sus holganzas, parte del país se ha preguntado: ¿cómo
paga María Gabriela Chávez las cuentas de estos restaurantes? que, sin duda,
están muy por encima de las posibilidades de la clase profesional venezolana.
Como diría el tártaro de la salsa, ¿cómo lo hacen? ¿Cuál es el negocio?” E la Globovisión, principal veículo da
oposição, repercute as declarações do deputado anti-chavista Stalin(êpa!)
González, que assegurou: "Quienes están conspirando contra el Estado
venezolano, están en las filas del Gobierno".
Mas onde se localizam esses meios de
imprensa? De onde estão veiculando manchetes e editoriais acusando o governo
chavista de gângster, mafioso, fascista, stalinista, hitlerista, canalha,
covarde, nojento, proxeneta e fedorento? Ora, certamente de um lugar seguro.
Mas onde: Tibet, Azerbaijão, Turcumenistão, Conchinchina, Bambuluá, Marte? Não
senhores: ali mesmo na Venezuela, em Caracas, eles atacam e acusam nas barbas
do governo totalitário, que sufoca, massacra, cospe, esmurra e extermina a
oposição e a liberdade de imprensa. Façam-me o favor. Que ditadura é essa? Se
isso é ditadura, eu quero uma pra poder viver.
Na verdade nossa intelligentsia se escandalizava com a possibilidade da gentalha
chegar tão perto do poder. Portanto, a questão dessa direita ilustrada não é
apenas ideológica (presente num certo temor de um socialismo do século XXI). A
questão é de preconceito de raça mesmo. Ou seja, o negócio é muito mais vulgar
e cafajeste do que se imagina. Quem acha que essa gente é inspirada pelos
escritos de Hayek, Friedman, Rostow ou mesmo de um Roberto “Bob Field” Campos
(vá lá...) está redondamente enganado. O guia espiritual deles é algo próximo do Justo Veríssimo mesmo! Ela é vulgar e boçal, sem sombra de dúvida.
No fundo, a velha, rançosa e asquerosa
concepção de que favelado (e negro ainda por cima) não pode fazer política. A
política com P maiúsculo, a política sancionada pelos receituários dos grandes
cientistas sociais da Harvard e Oxford. Gente inculta, pobre, selvagem e
promíscua. Gentinha, na verdade. Como não nos remetermos às carcumidas
concepções e teses do pensamento racial brasileiro, da pena de um Nina
Rodrigues, Silvio Romero, Euclides da Cunha e Oliveira Vianna?
No fundo o que se deplora não é apenas um projeto de Nação que ousa ser popular (por querer se fundamentar no apoio da gente das Villas e Fábricas). É preciso destacar que a revolta e o ataque histérico da direita envergonhada tupiniquim tem uma dupla motivação.
Em primeiro lugar, ele revela a sua
frustração com o fato de em pleno III milênio ainda termos que conviver com
manifestações de uma democracia autêntica, onde os anseios populares estão
acima – ainda que num processo extremamente tenso e incerto – dos rituais e
salamaleques estéreis de uma democracia formal, sem vida, gelada e impessoal. De
perfeita fachada liberal e que por isso mesmo só funciona para uma requintada
casta. Tão típica ao sul do Orenoco.... No fundo, a direita se mostra – mais
uma vez – radicalmente contra a democracia popular.
Em segundo, ela se exaspera por ter que
suportar tantos negros mostrando a canjica, não apenas ao postar o seu voto na
urna, mas pelo fato de minimamente lutar e se organizar para participar
efetivamente dele. Reação bastante compreensível num país que nunca elegeu um
negro para presidente. E que em mais de 200 anos de “democracia” elegeu tantos
governadores, prefeitos de capitais, senadores e até presidentes de clubes de
futebol "de cor"(sic), que se reunidos talvez dessem para encher um fusquinha.
Aliás, há como discordar do ministro
Joaquim Barbosa quando ele afirma que a imprensa é de direita? Deplorando inclusive
o fato dela ter pouquíssimos negros em suas redações. Ele falou alguma mentira?
Além de ideologia (e muito dinheiro no bolso - via BNDES, bancos,
multinacionais e Cachoeiras da vida), essa imprensa tem cor?
Que país é esse?????
Que país é esse?????
Leonardo Soares é historiador e bolivariano-dos-últimos-dias.
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