Paes, o homem que implora até hoje por perdão pelo fato de um
dia ter dito a verdade. Ao mesmo tempo, ele exige que o povo carioca o agradeça
por lotear a cidade, quase quadruplicar a dívida do município e tirar dinheiro
da educação para pagar contas de água e esgoto de escolas de samba.
Quem pode entender esse moço???
A crença inabalável, quase fanática, no
seu poder de parecer convincente diante do público é realmente algo que não se
pode negar em relação ao atual prefeito da Cidade Maravilhosa(para o capital
imobiliário). Certas pessoas têm tanta confiança em seu próprio taco que às
vezes isso pode ser confundido com falta de senso do ridículo. Essa confiança
de Paes é a mesma que vemos em figuras como Malu Magalhães posando de cantora
sensual, ou no Marcos Mion, que insiste em achar que é engraçado ou na Maria
Rita, que realmente crê que alguém consegue acreditar que ela é sambista ou que
sabe cantar samba (mas como isso é possível meu Deus do céu?). Isso se chama
autoestima minha gente. Confiança em si. Não, isso não é típico de uma “pessoa
sem noção”. O caso é mais sério. Ela não está nem aí mesmo para a realidade.
Temos que tirar o chapéu para Paes. Que talento, que descortino. Não estamos
falando de qualquer um. O homem é demais. Sua performance no personagem do
homem de bem é tocante. É como ver Fiuk mostrando que como péssimo ator, ele
consegue ser um cantor pior ainda.
Vejamos agora o caso de suas amizades
políticas. De 2005 em diante ele diria para quem quisesse ouvir e acreditar
nele – o que não é fácil... – que o então presidente Luiz Inácio, o Lula, sabia
de tudo que se passava ao lado do seu gabinete, quando companheiros de ParTido
tratavam de dar sustança ao Caixa 2 então em formação. Ou seja, ele com todas
as biritas que pudesse ter no meio das ideias, sabia desde o início de todo o
esquema consagrado pelo nome “Mensalão”. E Dudú dizia isso com uma ênfase como
“nunca antes na Estória”. Por mais que tapasse seus olhos com as duas mãos, ele
– o Messias de Garanhuns - via pela frestinha do dedo que lhe faltava, o
esquema que alimentava as cuecas alheias e carros-fortes pelo país afora. O
presidente petista era cúmplice, quase um comparsa, segundo o então deputado
federal, que participava da CPI.
Mas tudo mudou. Diante do rompimento com
Cesar Maia, seu antigo guia espiritual e de sigla partidária, o “prefeitinho da
Barra” foi buscar abrigo no PMDB de Cabral. O arranjo, verdadeira dobradinha,
já havia começado no final do primeiro turno da eleição para governador de
2006. Eleição que alçou Cabral ao posto de líder máximo da máquina fluminense.
Ganhando inclusive de Paes. Mas este via longe. A parceria prometia. Ainda mais
pelo fato do então governador iniciar uma luta encarniçada contra um antigo
aliado, o nosso Little Boy da terra
do chuvisco, o Anthony Matheus, o cel. Bolinha. De antigo aliado, passou a ser
a vítima-mor da nau cabralina.
O cenário era quase perfeito. Aliado do
comandante da máquina. O qual tratava de marginalizar uma liderança de peso –
literalmente - do interior fluminense. Assim como sua esposa. Quando do
discurso de porre, digo, de posse, Cabral nem havia ainda passado o primeiro
lenço na sua suada testa, para bradar: “terei que fazer milagres para pagar os
funcionários em dia”; “as contas do governo estão um caos”; “essa é a herança
que me deixaram”. Fazendo questão de utilizar a terceira pessoa do plural ao se
referir ao governo rosáceo.
E o futuro se tornava mais convidativo
para Paes quando via seu antigo aliado e padrinho político cada vez mais em
baixa no município do Rio. Metendo os pés pelas mãos. Que destruía o último
naco de credibilidade que lhe restava, batendo pé para construir a Cidade da Música. Um desastre. Um verdadeiro
cemitério. Indigno até para grupo de pagode paulista. De bilhões. Tristonho,
Cesar chegou a ficar com o patrimônio zerado. Na sua última declaração ao TSE,
simplesmente registrou “não ter bens”. Doou tudo para sua família. Tal como
Severino Cavalcanti, pode bradar: “Fiquei pobre com a política!”. Acredite se
quiser, completaria Jack Palance....
Diante de tal quadro o que mais Dudú poderia
querer? De uma hora para outra o futuro prefeito carioca – pois ele só pensava
na-qui-lo – se imaginava ao lado de Serginho, num daqueles banquetes tão ao
gosto do governador, em pleno Ritz de Paris, degustando o fechamento de uma
aliança que prometia. Ou como se estivesse na mansão dele em Mangaratiba,
degustando lagosta e caviar, regado a Romanée Conti. Mas era tudo muito bom pra
ser verdade. Causava até estranheza pensar que tudo era tão facin facin assim. É,
pois havia uma indigesta espinha no banquete. Ou melhor, havia, com o perdão do
trocadilho, um molusco de barba no meio desse fandango. Era o Lula, ele, o
grande aliado de Serginho. Braço-direito do presidente em terras fluminenses.
Estado cada dia mais estratégico: royalties, Comperj, Olimpíadas, CSA etc. Dudú
sabia que para continuar contando com o apoio de Cabral teria que resolver essa
pendência com Lula. Entenda-se: tratar de pedir perdão ao homem que um dia ele
acusou de ser cúmplice de mensaleiro. Ele sabia que Cabral nem cogitava a ideia
de se desfazer do apoio do petista. Impossível. Era bem mais fácil imaginar
Cabral desistindo de assistir a um concerto na Place de La Concorde (à Paris) para poder ver uma apresentação
do Luan Santana, o Elvis Presley do Pantanal, no Mauá de São Gonçalo. Com
direito ao sinalzinho do coração com as duas mãos em homenagem ao estrábico
menestrel teen.
O que fazer? Já perguntava Lenin. Nada
que uma bela carta de desculpas não desse jeito. E foi isso que fez o novo amigo
de infância de Cabral. O perdão presidencial foi dado – muito a contragosto.
Mas perdoar e deixar o orgulho de lado com base em interesses nunca foi um
problema para o ex-sindicalista. E Dudú se disse satisfeito com a
“justificativa” presidencial: não era mensalão e sim Caixa 2...
O caminho estava mais do que pavimentado
(pela Delta, é claro) para a mais nova, dinâmica e bat dupla do pedaço. Ninguém
parecia capaz de segurá-los. A escolha do Rio como sede das Olimpíadas foi a
cereja do bolo desse casamento. Agora era botar a mão na massa. Um Rio de obras
a ser saboreado até 2016. O Rio só não sediará as Olimpíadas de inverno. “Se o
negócio é neve, a gente manda comprar”. Deve ter delirado o candidato dos
empreiteiros. O céu parece ser o limite para essa dupla.
É claro, não esqueçamos que mesmo assim Dudú
cortou um dobrado para vencer por apenas 50 mil votos o Gabeira. Mas venceu. O
que muito se deveu ao belo nível do debate travado, que se concentrou na grande
questão se “Gabeira dá ou não dá?” e a celeuma criada entre este e uma
liderança da Zona Oeste. Paes ainda fez a gentileza de – em mais uma de suas
performances antológicas – se declarar suburbano, jurar que adora samba e a
feijoada da Tia Surica da Portela.
E embriagado por tantas conquistas, o
nosso eterno “prefeitinho” brindou a população da cidade e o funcionalismo com
uma série de medidas. Uma melhor que a outra. Em favor da privatização do
serviço público. Em favor do controle desmedido e sem freios do capital
imobiliário sobre o espaço da cidade. Em benefício da festança das
empreiteiras. Em prol da mercantilização dos direitos, como se a cidadania
pudesse ser tratada do mesmo modo que uma peça do vestuário: só tem quem pode
comprar.
As conquistas de sua administração (de
deixar qualquer ultraneoliberal que nem pinto no lixo) pesam sobre os ombros
do povo carioca: desvio de dinheiro da educação para pagar contas de água e
esgoto de escolas de samba; despejo de comunidades para a construção de obras
olímpicas; implantação de chips em
jalecos de médicos da rede municipal; uma licitação de ônibus colocada sob
suspeita pelo próprio Tribunal de Contas; a explosão da dívida do município
(cerca de 400%); obras absurdas, como a demolição do velódromo, cheirando à
tinta ainda... para a construção de... outro, igualzinho.
Não satisfeito, ele reivindica um novo
mandato. E as chances dessa ameaça se concretizar são grandes. Que candidato
será capaz de mobilizar e engajar a população numa luta de resistência contra
esse projeto ético-político, que busca explorar até o talo as energias vitais
da sociedade e da própria cidade em benefício exclusivo do grande capital? Quem
mais, se não o povo, poderá detê-lo?
Leonardo Soares dos Santos, professor da UFF/Campos e prisioneiro
de Paz.
* Simpático epíteto conferido à
sede da Prefeitura, por se localizar próxima a afamada Vila Mimosa.
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