Dois cenários deprimentes. Violentos – cada qual na sua torpe
maneira. Triste. Indigno. Impressionante que um país como o Brasil ainda possa
testemunhar cenas como essas. E todas – é impossível não imaginar – nos remetem
aos terríveis e podres anos de maior ferocidade da ditadura implantada em 1964:
falo do período que vai do AI-5 do general Costa e Silva (primo distante do
Pinochet), decretado em 68, até a Copa de 70, já no (des)governo Médici.
No primeiro cenário de horror temos os protestos em várias
cidades do Brasil contra o assalto das empresas de ônibus – com a conivência
dos governos, inclusive do PT. A ferocidade com que as manifestações do povo
foram reprimidas – principalmente em São Paulo - causam apreensão. Mas, vamos
lá, esperar respeito às normas que deveriam nortear o estado democrático de
direito por parte da polícia, ainda mais uma polícia comandada pela Junta
Tucana (encastelada há quase 20 anos no Palácio dos Bandeirantes) seria o mesmo
que esperar a resolução de equações de física quântica por parte da Valeska Popozuda....
E ainda por cima a polícia do Geraldinho encarcerou vários
jornalistas. Um ataque insano à liberdade de informação e de imprensa. Algo
impensável de ocorrer em qualquer país minimamente civilizado. Agora, imaginem se
tivesse ocorrido algo parecido na Venezuela ou na Argentina? Ou no Irã?
As balas, cassetetes, bombas, patadas de cavalo e sprays não
atingiram apenas as vítimas da covardia institucionalizada. Atingiram
fundamentalmente a sempre precária democracia brasileira. O Estado mais uma vez
patrocina ações de terrorismo, de afronta, de ataque irracional contra os
pilares da República nacional. As polícias mais uma vez se mostram
despreparadas para lidar com manifestações públicas, com formas simples de
protesto, de defesa de direitos políticos e sociais. Ela – a puliça - não
aceita acatar preceitos comezinhos de qualquer republiqueta que se preste:
respeito ao cidadão, defesa de sua integridade, respeito às normas democráticas
etc.
Não, para a nossa polícia não! Ela se nega até hoje a
enterrar de vez suas origens. Lembrando que tais corpos de milícia foram
criados nos albores do século XIX, em plena vigência do regime escravista. A do
Rio, por exemplo, tinha como função primordial a defesa da economia senhorial,
ficando a seu cargo inclusive a captura de escravos. Isso mesmo, a força
policial agia como capitão-do-mato meus amigos. Vide o brasão da veneranda instituição: um raminho de cana e café. Sórdido, não? Claro, que
qualquer semelhança com os dias atuais é mera coincidência...
Portanto, não só a tropa fluminense como os aparelhos dos
outros estados nunca tiveram como função precípua a defesa do cidadão, mas
exigências do latifúndio, da economia escravista, com base no porrete,
mosquetão e terror. E outra constante: tudo defendido pelos liberais da época. Portanto,
ao vermos uma figura como a do economista liberal Rodrigo Constantino defender
a repressão policial como uma medida salutar da democracia liberal, não se
amendrontem. Não minha gente: isso não é falta de respeito à inteligência
humana. Isso é a essência do pensamento(sic) liberal....
Mas nada é mais deplorável do que a cobertura
jornalística(sic) sobre os acontecimentos por parte da grande imprensa. Como
todos sabem as manifestações de protesto foram saudados pela mídia como “baderna”,
“ato de vandalismo”. Chegou-se mesmo a estampar como “ato terrorista”. Agora,
uma bala(êpa!) para quem adivinhar qual veículo de imprensa foi capaz de estampar
tal barbaridade: ah, claro, sempre ela, o pasquim que atualmente é o que mais
deplora não apenas a democracia, mas o próprio fato do Brasil ser habitado por
seres humanos que não sejam ricos e brancos – sim, a nossa Revista VESGA. E, assim, tudo que se associa com luta ou
resistência pela democracia é taxado de terrorismo, fascismo, cubanização,
comunização da pátria. Que revista brega.... não vale nem 20 centavos!
E agora com a internet
e com a chamada TV interativa é possível sondar as reações de boa parcela da
população que se deixa guiar por esses aparelhos privados de tortura
intelectual e moral de nome mídia. Muita gente que afirma ter “a mente e os
olhos abertos(!!!!)” por essa imprensa ainda se manifesta e declara total apoio
às suas linhas editoriais. As postagens dos aficcionados por essa escória impressionam.
Todos, quase sem exceção apóiam a volta da ditadura, o uso indiscriminado da
violência. E, claro, muitos ainda dizem que também defendem Deus, Pátria e
Família.....
Um dos articulistas endeuzados pela fina-flor do neonazismo
tupiniquim chega a defender a aplicação da Lei de Segurança Nacional contra os “terroristas”,
isso porque, segundo o sujeito, ainda não há no país leis anti-terroristas para
pôr cobro às canhestras ações desses sequazes a serviço – quem sabe? - de
alguma camarilha anarco-radical-marxista-esquerdista-neopetencostal (agora vem
a dúvida sobre a sede da matriz: Pequim, alguma gruta do Afeganistão, Caracas
ou Pyongyang?). Tudo é possível na mente delirante e psicótica desse paladino
da democracia. Democracia acéfala, sem povo e que só serve se servir aos desígnios
do Capital.
No segundo, o cenário beira o caricato. Um show de ufanismo
cercando a abertura da Copa das Confederações e a estréia da Seleção Amarelona
do Felipão Scolari. Técnico que conclama a todos, inclusive a imprensa, a parar
de ver o que está errado, a tentar ser mais patriótica, a abraçar a seleção,
pois ela representa o nosso país. E pede para que só nos preocupemos em passar
uma imagem boa de nossa terra.
Mas como assim Felipão? Como esquecer que essa Copa é a mais
cara de todos os tempos? De que só essa Copa é mais cara de que todas as três
anteriores juntas? Como esquecer as 12 arenas superfaturadas? Como esquecer que depois
de Lula prometer que não seria gasto um centavo público, faltando um ano para a
Copa, já se foram dos cofres públicos mais
de 80 bilhões de reais? Como esquecer que isso poderia ter sido voltado para um
sistema de saúde em frangalhos, para o ensino público em petição de miséria,
para as obras do PAC empacadas, para salvar conjuntos habitacionais que estão
afundando, para os aeroportos sucateados, para as esburacadas estradas do
sertão afora? Como esquecer a falta de transparência? Como esquecer as denúncias
que pairam sobre o atual presidente da CBF? Como esquecer os furiosos ataques dele contra Vladimir Herzog, poucos dias antes dele ser estraçalhado nos porões do DOI-CODI? Como esquecer que hoje o Brasil
ocupa a 22ª posição do ranking, atrás da Grécia, Croácia e só um pouco acima do
Mali? Como esquecer que a Fifa, os governos e as empresas que lucram com a farra das obras estão expulsando o povo pobre, trabalhador e negro dos estádios?
Não Felipão. Assim não dá, assim não pode. Até o público de
dentro do estádio não pensa assim. A estrepitosa vaia contra a Presidenta é
emblemática. “É, mas foram os ricos” – se apressam em defender os defensores do
ParTido. Ricos que estavam ali – e só eles - porque o governo assim quis.
Deixando que a Fifa expulse o povo dos estádios. O povo pobre e negro
principalmente. Mas estes estavam lá fora no momento da “festança”. Tomando
bomba, alguns sendo atropelados, levando cacetete na carcaça. Ações lamentáveis,
só a engrossar a lista de crimes da Copa.
Mas expulso dos estádios de futebol, o povo agora procura o espaço da Rua. E incomoda não apenas os poderosos como a grande imprensa.
O brasileiro parece ter cansado de ser Mané. Imagina na Copa.
Leonardo Soares é historiador e defende o uso do Vinagre para fins democráticos.
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