sexta-feira, 8 de junho de 2012

Análise sobre a greve das Instituições Federais de Ensino


Prezad@s,

Venho divulgar leitura do movimento de greve corrente nas Instituições Federais de Ensino (IFES) brasileiras.

A análise é oportuna. O texto foi elaborado por meu colega de Departamento de Ciências Sociais no Pólo Universitário de Campos dos Goytacazes (PUCG) da Universidade Federal Fluminense (UFF). O Prof. Victor Gomes atua na área de Ciência Política e detém uma leitura bastante apurada das conjunturas políticas brasileiras.

Para além disto, sem falarmos da notável qualidade do texto do Victor, cabe notar que esta é uma produção local. Há um comando de greve local e ainda carecemos de mais reflexões que informem a população regionalmente sobre o andamento do movimento. O texto cumpre com maestria esta função informativa e corta com precisão o senso comum sobre as condições objetivas dos docentes e discentes das Universidades Federais.

Boa leitura!





A transformação da função social da universidade pública



Eis que o Brasil se encontra imerso numa gigantesca greve das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES). Muitos leitores podem argumentar que o emprego do adjetivo seja exagerado, mas um movimento que conta com a adesão de mais de 80% das universidades em todo o país, na minha modesta opinião, já pode ser considerado “gigante”.

Para aqueles que imaginam mais uma pauta reivindicatória corporativista por parte dos professores, uma nova surpresa. O movimento conta com a participação maciça não somente de docentes, que encabeçam as negociações com o governo, via Sindicato Nacional das Instituições de Ensino Superior (ANDES), como também de técnico-administrativos e alunos. E não é difícil compreender o porquê. O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) – lançado ainda no governo Lula e que apresentava como principal objetivo ampliar o acesso à educação superior – teve impacto negativo sobre o conjunto da comunidade acadêmica. Embora mais estudantes pudessem cursar o ensino superior federal, a manutenção destes em suas respectivas graduações ficou cada vez mais difícil, em razão dos investimentos em estrutura e em contratação de profissionais jamais acompanhar o ritmo frenético da entrada de novos alunos. Com isso, a precariedade das instalações físicas e das condições de trabalho são, hoje, as marcas indeléveis do REUNI, bem como a evasão de inúmeros estudantes que sequer conseguem arcar com os custos inerentes a uma formação universitária. Dito de maneira mais clara e direta: uma parcela significativa dos jovens brasileiros entra na universidade pública sem, no entanto, conseguir permanecer nela por muito tempo.

Se é fácil explicar a ampla adesão de todos os setores das IFES à greve, apresentar a pauta de reivindicação também é tarefa simples. Dois pontos bastam: 1) a reestruturação da carreira docente, com valorização do piso e incorporação das gratificações e 2) o incremento das condições de trabalho docente nas IFES. Apenas a título de informação, atualmente, o piso de um professor universitário federal, para o regime semanal de 20 horas, é de R$ 557,51. O processo de expansão universitária – sem qualquer planejamento – resultou em salas de aula lotadas, excesso de orientações tanto na graduação quanto na pós-graduação, ausência de laboratórios, bem como falta de estrutura para pesquisa e extensão. Por fim, contudo não menos importante, o movimento grevista ainda defende uma política efetiva de assistência estudantil no sentido de minimizar as evasões.

Mesmo diante deste cenário desolador, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, definiu a greve nacional como “precipitada”, segundo ele o atraso na elaboração do novo plano de carreira docente ocorreu por conta da morte recente do ex-secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Duvanier Paiva Ferreira, então responsável pela negociação salarial de todo o serviço público federal. A partir de tal argumento, pelo bem da educação pública superior, cabe a pergunta: será que de fato não há nenhum outro quadro dentro do governo capaz de tocar as negociações com a comunidade universitária? Seria muita ingenuidade imaginar que tais medidas protelatórias não fazem parte de uma estratégia política do governo. A ideia principal é a de que os docentes crescentemente pauperizados devem ser induzidos a oferecer serviços, seja ao próprio governo seja às corporações que almejam transformar as universidades públicas em prestadoras de serviços diversos que a própria iniciativa privada não tem o menor interesse em desenvolver, dado o alto custo de investimento com a criação de departamentos de pesquisa e contratação de pessoal qualificado. Frente à ruína da infraestrutura universitária, os docentes devem captar recursos em âmbito privado ou por meio dos editais das agências de fomento para prover o básico das condições de trabalho. Uma conversão perversa de professores em empreendedores que ganham por projetos. Estabelece-se uma espécie de “darwinismo acadêmico” onde os mais fortes em termos políticos e mercadológicos (não necessariamente os mais qualificados) prevalecem.

O atual governo federal como operador deste processo de transformação da função social da universidade pública poderia, ao menos, refletir acerca do slogan de sua gestão e perceber que “país rico é país sem pobreza”, mas também, e essencialmente, “com educação pública qualificada”.

Victor Gomes (Professor de Ciência Política da UFF)


victorlcgomes@yahoo.com.br

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